>TRATAMENTO ACÚSTICO – PARTE 1 – By Lucas Ramos


>Técnicas para melhorar a sonoridade de seus trabalhos

Na edição passada falamos de isolamento acústico e vimos maneiras de diminuir o nível de ruídos presente em nosso estúdio. Porém, somente minimizar os ruídos não garantirá uma sonoridade de qualidade na sala. Também é essencial abordar a qualidade acústica da sala (como resposta de frequência, tempo de reverberação etc.) e tomar medidas para controlar e otimizar esses aspectos da sonoridade. Esse processo é conhecido como “tratamento acústico”, e será o tema dessa edição da coluna.

Por que precisamos de tratamento acústico?

Salas sem tratamento acústico têm uma resposta de frequência desequilibrada, e, geralmente, um tempo de reverberação alto. Isso é um problema, pois o som que você estiver ouvindo naquela sala não será fiel, já que sofrerá a influência das reflexões no ambiente. Isso significa que o ouvinte perceberá um som diferente do que ele realmente é. Se estiver mixando em uma sala sem uma acústica preparada, as decisões que você tomará em relação à sonoridade do material serão baseadas em uma reprodução distorcida, e, com isso, provavelmente sua mixagem não soará bem em outro ambiente.

A sonoridade da sala também afetará as gravações feitas nela, pois inevitavelmente os microfones irão captar as reflexões do som do instrumento no ambiente. Mesmo com microfones menos sensíveis e posicionados mais próximos ao instrumento, a sala irá sempre influenciar a sonoridade de uma gravação. Por isso, se quiser obter uma gravação de qualidade e com uma sonoridade equilibrada, é imprescindível executar um tratamento acústico.

A seguir, vamos ver técnicas que podem ser aplicadas em home studios para que possamos obter uma sonoridade melhor em nossos trabalhos.

Sala de gravação x técnica

A acústica de uma sala de gravação difere bastante da acústica de uma técnica. É recomendável, inclusive, que o tempo de reverberação de uma técnica seja sempre menor do que o da sala de gravação (para que seja possível ouvir a reverberação da gravação, sem interferências da reverberação da técnica). Porém, em muitos home studios a sala de gravação é também a técnica. Nesses casos, tem de se chegar a um consenso, o que geralmente significa uma sala “morta” (com menos reverberação) e “neutra” (resposta de frequência equilibrada).

Disposição da sala e posicionamento dos monitores

Antes de começar a pensar no tratamento acústico, é preciso definir a disposição do seu estúdio e o posicionamento do ouvinte e dos monitores.

– A posição dos monitores (e do ouvinte) deve ser simétrica em relação às paredes laterais, formando um triângulo equilátero entre os monitores e o ouvinte.

– Os monitores devem estar posicionados com o tweeter (falante pequeno) à altura do ouvido do ouvinte. Porém, evite que fiquem exatamente na metade da altura entre o chão e o teto. Se necessário, angule os monitores (para cima/para baixo) de modo que o tweeter aponte para o ouvido do ouvinte.

– Tente afastar os monitores o máximo possível das paredes, mas evite que eles fiquem no meio da sala (entre as parede da frente e de trás).

– Preferencialmente, utilize pedestais para os monitores. Dessa forma não haverá uma superfície refletora logo abaixo dos monitores (uma mesa, por exemplo) minimizando as reflexões primárias.

– Coloque os monitores sobre uma camada de espuma densa ou borracha para minimizar a transmissão de vibrações.

– A não ser que seus monitores sejam projetados para serem posicionados na horizontal (poucos são – consulte o manual), posicione-os orientados na vertical para garantir maior equilíbrio na resposta de frequência.

Paredes Paralelas

É comum afirmarem ser necessário evitar paredes paralelas se o objetivo é minimizar ondas estacionárias (frequências de ressonância) entre as paredes. No entanto, este procedimento só é eficiente para minimizar as reflexões sucessivas (flutter echo) de frequências altas, pois as ondas estacionárias (modos) ainda ocorrerão (com base na média da distância entre as paredes). Tratar as reflexões de frequências altas é relativamente fácil, já que elas podem ser absorvidas (ou difundidas) sem muita dificuldade usando-se painéis absorvedores (ou difusores) nas paredes. Como a maioria dos cômodos atuais tem paredes paralelas, é mais prático e barato manter as paredes paralelas e apenas aplicar o devido tratamento acústico. Dessa forma, estará maximizando o espaço e facilitando também a simetria da sala.

Sala da técnica

Como já foi mencionado antes, a acústica da técnica irá afetar diretamente a percepção do som na sala. Com isso, as decisões em relação à sonoridade de uma gravação ou mixagem serão tomadas com base em uma audição infiel do material. Isso acarretará em mixagens e gravações que soarão mal em outros ambientes.

Exemplo: se a sala tiver uma resposta de frequência com excesso de graves, a tendência é que o mixador reduza os graves na mixagem para compensar o excesso presente no ambiente. Porém, quando for reproduzido em outro ambiente, aquela mixagem soará “magra”, com pouco grave.

Além disso, também já vimos que o tempo de reverberação da técnica deve ser sempre menor do que o da sala de gravação para que a reverberação da técnica não se confunda com a reverberação da gravação. Então, nossa meta para a técnica é conseguir uma sala com uma resposta de frequência razoavelmente equilibrada e com um tempo de reverberação curto.

1) Pendure um painel absorvedor (ou espuma acústica) de 1,5 m x 0,75 m (ou maior) em cada parede lateral (direita/esquerda) para minimizar as reflexões primárias. Para encontrar o posicionamento correto do painel, use a técnica do espelho:

– Com alguém sentado na posição do ouvinte, posicione um espelho contra a parede em questão, à altura dos ouvidos do ouvinte.

– Movimente o espelho na horizontal, procurando os pontos na parede onde o ouvinte consegue ver os monitores. Marque esses pontos.

– Posicione o painel absorvedor de forma que cubra esses pontos, pois eles serão mais propícios a gerar reflexões primárias.

2) No teto, acima da cabeça do ouvinte, adicione outro painel absorvedor (ou espuma acústica) de mais ou menos 1,5 m x 0,75 m, também para minimizar as reflexões primárias. Use a mesma técnica do espelho para encontrar o posicionamento exato.

3) Na parede da frente, se possível, acrescente um ou dois painéis absorvedores, de forma que cubram a área diretamente atrás dos monitores.

4) Se a parede de trás estiver afastada do ouvinte (pelo menos 1,5 m), será mais eficiente utilizar um difusor do que um absorvedor para espalhar a energia sonora. Uma estante ou outros móveis no fundo da sala também podem ajudar na difusão. Se a sala for muito pequena e a parede de trás estiver a menos de 1,5 m do ouvinte, acrescente um painel absorvedor em vez de um difusor.

5) Se as paredes forem grandes, com mais de 4 metros (o que não é o caso na maioria dos home studios), acrescente mais painéis absorvedores, distribuindo-os de forma simétrica ao longo das paredes/teto.

6) Todos os painéis absorvedores devem estar centralizados na altura dos ouvidos do ouvinte (menos os do teto, é claro). É também importante manter simétrico o tratamento acústico da sala (painéis, difusores etc.) em relação às paredes laterais.

7) Em todos os cantos da sala que estiverem acessíveis, utilize “armadilhas de graves” (bass traps). Se achar necessário, também pode-se acrescentar mais nos cantos entre as paredes e o teto. Geralmente, em salas pequenas, quanto mais “armadilhas de graves”, melhor.

8) Carpete no piso geralmente funciona bem, pois ajuda a diminuir um pouco o tempo de reverberação da sala.

I like that boom boom pow!

É preciso ter cuidado para não absorver as frequências agudas em excesso, de forma que a sala não soe “abafada”. Porém, especialmente em salas menores, é difícil absorver graves “demais”. Em geral, quanto mais “armadilhas de graves” forem utilizadas, mais equilibrados soarão os graves (mas tome cuidado, pois as frequências agudas também serão absorvidas pelas armadilhas de graves).

“Pô, mas eu gosto daquele gravão… boom, boom!” – essa é geralmente a reação das pessoas quando se fala em absorver graves. Porém, é importante esclarecer que isso não significa que os graves das músicas serão reduzidos. As “armadilhas de graves” absorvem as frequências refletidas que geralmente prejudicam a resposta de graves dos monitores (através de interferências de fase construtivas e destrutivas). Em certos pontos da sala haverá zonas de cancelamento, enquanto em outros pontos haverá reforço dos graves. Com isso, minimizar os graves refletidos na sala resultará em um grave mais “limpo” e com mais “peso” do que antes.

Sala de gravação

Como já foi dito anteriormente, a acústica de uma sala irá afetar diretamente a qualidade da gravação feita naquele ambiente. Isso se deve às reflexões que serão inevitavelmente captadas pelos microfones. Essas reflexões podem contribuir para a sonoridade de uma gravação, assim como podem deteriorar a qualidade da mesma.

Nos estúdios de médio e grande porte, que têm bastante espaço físico, é comum que as salas de gravação tenham um tempo de reverberação maior e uma resposta de frequência mais “colorida”. Isso porque os instrumentos acústicos (como bateria, piano e violão), que necessitam de reverberação na sua sonoridade, soam bem melhor em salas mais “vivas”, com mais reverberação. Já metais e vozes soam melhor em salas “mortas”, com menos reverberação. Por isso, muitos estúdios dispõem de diversas salas de gravação, cada uma com acústica diferente, para suprir todas as necessidades de sonoridades que possam surgir.

Nos home studios, o luxo de ter diversas salas de gravação com acústicas variadas não é uma realidade (muitos nem têm uma técnica separada), e, por isso, as salas devem ser geralmente mais “neutras” e “mortas”. Qualquer reverberação deve ser adicionada depois, na mixagem, através de reverbs, delays e de outros processadores. Isso é ainda reforçado pelo fato de que salas pequenas e “vivas” geram gravações “sujas”, sem peso e sem definição. Para se obter uma reverberação agradável, é necessário bastante espaço na sala (pelo menos 400m3), o que normalmente não é a realidade de um home studio. Por isso, a sala de gravação também deve ser “morta” e “neutra”.

Pode-se usar uma disposição do tratamento acústico na sala de gravação similar ao da técnica, com algumas diferenças:

– Os painéis absorvedores devem ser distribuídos de forma simétrica.
– O painel absorvedor do teto deve ser posicionado de forma centralizada.
– Acrescente um painel absorvedor centralizado na parede da frente.
– Acrescente um difusor centralizado na parede de trás.
– Todos os painéis das paredes devem estar posicionados à meia altura.
– O piso pode ser de madeira (taco ou algo parecido), pois as reflexões vindas do piso podem ser interessantes para a gravação de certos instrumentos (violão, por exemplo). Porém, tenha sempre um ou mais tapetes disponíveis, caso queira minimizar essas reflexões. O carpete no piso irá diminuir ainda mais o tempo de reverberação, portanto, se quiser uma sala de gravação mais “morta” (para voz, por exemplo), pode ser interessante.

Quer mais “vida” na sua gravação?

Se você sentir a necessidade de uma sala mais “viva” ou com uma acústica diferente,
experimente gravar em outros cômodos do imóvel. Para isso, é preciso que o seu sistema de gravação seja portátil ou que seus cabos sejam muito longos. Mas não se esqueça dos ruídos! Para obter uma gravação limpa é necessário que a sala não tenha muito ruído ambiente. Utilize as técnicas mencionadas nas edições anteriores (isolamento acústico) para diminuir o nível de ruído presente na sala.

Salas com um pé direito alto geralmente funcionam melhor para instrumentos acústicos. Banheiros podem trazer um efeito interessante também. Experimente ouvir o som do instrumento em diferentes salas até encontrar a acústica ideal. “Experimenta! Experimenta!”

Eu quero “matar” essa reverberação!

Se quiser “matar” ainda mais a reverberação em uma gravação, use uma barreira absorvedora atrás e aos lados do microfone para minimizar o vazamento das reflexões. Essa barreira pode ser feita com algum material poroso (como espuma, lã de vidro ou até mesmo um painel absorvedor comum) e deve ser posicionada atrás do microfone, contornando a traseira e os lados dele. Há, inclusive, produtos prontos para essa função, como o Reflection Filter, da SE Electronics, e o Portable Vocal Booth, da Real Traps. Esse recurso funciona muito bem para vozes (vocais, dublagem, locução etc.), mas também pode ser usado para minimizar a ambiência em gravações de instrumentos acústicos.

É muito importante esclarecer que, para obter um tratamento acústico profissional, é necessário ter um espaço amplo (com pé direito alto) com isolamento acústico profissional. Além disso, equipamentos de medição profissionais, assim como bastante conhecimento e experiência, são imprescindíveis. É preciso contratar um engenheiro acústico experiente ou estudar bastante para elaborar o projeto e fazer as medições corretas, além de contar com mão de obra qualificada para a hora da execução.

As dicas dessa coluna são apenas soluções acessíveis, mas que visam melhorar de forma significativa a sonoridade de um home studio, e, com isso, melhorar também as gravações/mixagens executadas naquele ambiente. No entanto, não devem ser consideradas soluções profissionais.

Não posso usar um headphone?

Fones de ouvido são ferramentas bastante úteis para a gravação e mixagem. Para posicionar os instrumentos no panorama ou para ouvir ruídos que possam estar presentes no áudio, o fone de ouvido oferece mais precisão do que os monitores. Porém, a experiência auditiva que o fone proporciona difere demais do mundo real. Com isso, o fone de ouvido deve ser usado como uma “segunda opinião”, nunca como sua monitoração principal.

Mas não desanime! É possível, seguindo essas dicas, melhorar consideravelmente a sonoridade de um estúdio caseiro com pouco investimento. Basta ter bastante atenção e cuidado. Na próxima edição vamos dar uma de carpinteiro e aprender a construir painéis absorvedores, armadilhas de graves, difusores e até uma cabine de gravação para nosso home studio.

Mês que vem tem mais. Até lá!

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